‘Escrevo sobre o que a história omite’, diz autora vencedora do Nobel

Destino é a vida de um homem, história é a vida de todos nós. Quero narrar a história de forma a não perder de vista o destino de nenhum homem"/ Foto: Guillermo Legaria

“Destino é a vida de um homem, história é a vida de todos nós. Quero narrar a história de forma a não perder de vista o destino de nenhum homem”/ Foto: Guillermo Legaria

Eram chamados de “falcões de Chernobil” os pilotos de helicóptero que sobrevoavam o reator nuclear em chamas, sem nenhum equipamento de proteção, nem mesmo uma simples máscara.

Tinham de chegar bem perto do incêndio e pôr a cabeça para fora para jogar areia no reator. Acabavam aspirando muito material radioativo. Alguns morreram de câncer, outros tiveram problemas neurológicos, enlouqueceram ou se suicidaram. Não fosse por eles, a nuvem radioativa teria se alastrado pela Europa.

Foi um desses pilotos que levou a bielorrussa Svetlana Aleksiévitch a escrever “Vozes de Tchernóbil “” Crônica do Futuro”, que a Companhia das Letras lança nesta semana marcando os 30 anos do desastre em Chernobil, o pior acidente nuclear da história.

“O piloto ligou e disse que precisava falar comigo o mais rápido possível porque tinha pouco tempo de vida”, contou Svetlana à Folha em Bogotá, onde participou de uma feira literária nesta semana.

“Disse: isso nunca aconteceu antes, você precisa escrever para que, um dia, alguém consiga a entender”

No acidente de 26 de abril de 1986, 31 pessoas morreram e 50 sucumbiram à síndrome radioativa aguda alguns dias depois. Calcula-se que mais de 4.000 tenham morrido de doenças causadas pela radiação, como câncer, leucemia e problemas neurológicos.

Svetlana ganhou o Nobel de Literatura em 2015 por “seus escritos polifônicos, um monumento ao sofrimento e à coragem em nossa era”.

Em seus livros, narra o que chama de “utopia do homem vermelho (comunista)” por meio de grandes acontecimentos na história soviética: a Segunda Guerra, o acidente de Chernobil, a ocupação no Afeganistão e o fim da União Soviética, sempre pelas vozes das pessoas comuns.

‘CADA UM É UM ENIGMA’

“Escrevo sobre tudo o que a história omite, porque a história é arrogante e não interessa a ela o que está pensando o homem comum; para mim, interessa o que pensa cada um dos homens e mulheres que vivem a história.”

Ou, como escreve: “Destino é a vida de um homem, história é a vida de todos nós. Quero narrar a história de forma a não perder de vista o destino de nenhum homem”.

Para “Vozes”, ela entrevistou mais de 500 pessoas –trabalhadores da central nuclear, bombeiros, cientistas, médicos, soldados, evacuados, moradores das zonas contaminadas. Conversava por quatro, cinco, até 20 horas com cada um deles.

Com informações da Folha de São Paulo