IGEPREV é condenado a cessar cobrança de 14% sobre benefícios previdenciários de servidores aposentados e pensionistas de Petrolina

Cobranças indevidas a título de contribuições previdenciárias violam as garantias fundamentais e os princípios da isonomia e da capacidade contributiva previstos na Constituição Brasileira de 1988. Com esse fundamento, a Vara da Fazenda Pública de Petrolina considerou inconstitucional a Lei Municipal nº 3.269/2019 e determinou que o Instituto de Gestão Previdenciária do Município de Petrolina (IGEPREV) cessasse as cobranças a título de contribuição previdenciária no percentual de 14% sobre os benefícios pagos a servidores municipais aposentados e pensionistas que recebam acima do valor do salário-mínimo, de R$ 1.100, e abaixo do valor de R$ 6.433,57, cota máxima paga pelo regime geral da Previdência.

O IGEPREV pode recorrer da decisão.

Mandado de segurança impetrado pelo Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Petrolina

Em sentença proferida no dia 28 de maio, o juiz de Direito João Alexandrino de Macêdo Neto julgou procedente o pedido para cessar as cobranças indevidas nos benefícios dos servidores e pensionistas do município. O caso foi julgado no mandado de segurança coletivo, registrado no processo 0003386-14.2020.8.17.3130. O mandado foi impetrado pelo Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Petrolina.

Aprovada pela Câmara Legislativa e sancionada pela Prefeitura, a Lei Municipal nº 3.269/2019 alterou o art. 57, inciso II, da Lei Municipal nº 1990/2007, estabelecendo a contribuição no percentual de 14% sobre os vencimentos dos aposentados e pensionistas que recebem acima do salário-mínimo. Nos autos, a Procuradoria Municipal de Petrolina e o IGEPREV alegaram que tal medida foi tomada para corrigir deficit atuarial registrado no fundo previdenciário dos servidores.

Na petição inicial, o Sindicato alegou que a nova redação do art. 57, II, da Lei Municipal nº 1990/2007 seria inconstitucional, por contradizer o art. 40, §18, da Constituição Federal, que define que aposentados e pensionistas somente contribuem sobre o valor que exceder o teto do regime geral da previdência social. Como resposta, o município de Petrolina e a IGEPREV alegaram que a mudança na legislação teve como fundamento o teor do disposto no art. 149, § 1º-A, da Constituição Federal, introduzido pela Emenda Constitucional nº 103/2019, que teria autorizado Entes Federados a instituir contribuição ordinária dos aposentados e pensionistas, sobre os proventos que superem o salário-mínimo, naqueles casos em que há deficit atuarial do Regime.

Examinando o caso concreto dos servidores aposentados e pensionistas do município de Petrolina e exercendo o controle incidental de constitucionalidade, o juiz João Alexandrino de Macêdo Neto reconheceu que houve inconstitucionalidade no §1º-A no art. 149 da CF, inserido pela Emenda nº 103/2019. “O respeito ao princípio da capacidade contributiva por parte da Emenda Constitucional nº 41/2003 não se repete no dispositivo da Emenda Constitucional nº103/2019 ora analisado (§1º-A no art. 149 da CF), porquanto não é possível presumir que um aposentado ou pensionista que receba proventos superiores a um salário-mínimo esteja em condições de contribuir com o sistema de previdência do qual faz parte. Analisando o valor atual do salário-mínimo, no importe de R$ 1.100,00, e o valor do maior benefício pago pelo RGPS, no valor de R$6.433,57, fica evidente que a mudança de base de cálculo prevista pelo art. 149, § 1º-A, da Constituição Federal, fere o princípio da capacidade contributiva, pois coloca lado alado grupos de pessoas com realidades financeiras completamente distintas. Note-se que a constitucionalidade do art. 149, §1º-A já está sendo questionada pela Associação dos Juízes Federais do Brasil – AJUFE em sede de controle abstrato de constitucionalidade (ADI nº 6258), sem olvidar de outros tantos dispositivos constantes na Emenda Constitucional nº 103/2019 questionados em outras ações diretas (ADIs nº 6254, 6255 e 6256)”, contextualizou o juiz João Alexandrino de Macêdo na decisão.

As cobranças feitas pelo IGEPREV tiveram início em abril de 2020, durante a pandemia da Covid-19, o que pode ter agravado a situação financeira dos servidores aposentados e pensionistas. “Ressalte-se que, considerando a disparidade de valores entre o maior benefício do regime geral de previdência social e o valor do salário mínimo, patente o prejuízo financeiro que sofrerão os servidores municipais aposentados, prejuízo este que se dará em meio à pandemia provocada pela disseminação do novo coronavírus (Covid-19), o que evidentemente coloca em risco a já delicada situação financeira de aposentados e pensionistas. Seja por consequência da inconstitucionalidade do art. 149, §1º-A da CF, aqui declarada incidenter tantum, seja pela inobservância do inciso VI, do § 22, do art. 40, da CRFB/88, face à ausência de lei complementar federal a estabelecer mecanismos objetivos de equacionamento do deficit atuarial, resta evidente a inconstitucionalidade da nova redação do art. 57, II, da Lei Municipal nº 1990/2007, dada pelo art. 2º da Lei Municipal nº 3.269/2019”, escreveu o magistrado.

Sentença mantém decisão liminar

A sentença proferida pelo Vara da Fazenda Pública de Petrolina manteve o teor da medida liminar concedida em 7 de maio de 2020, no mesmo sentido de cessar a cobrança das contribuições previdenciárias dos aposentados e pensionistas, baseado na inconstitucionalidade da lei municipal nº 3.269/2019 e da alteração do art. 149, §1º-A CF, pela emenda 103/2019. Em sua manifestação nos autos do processo, o Ministério Público de Pernambuco também entendeu haver inconstitucionalidade na lei municipal de Petrolina e no art. 149, §1º-A da CF pela EC 103/2019. O entendimento do juiz João Alexandrino de Macêdo Neto foi mantido primeiro pela Presidência do TJPE ao negar pedido de suspensão de liminar nº 0005913-80.2020.8.17.9000, interposto pelo Instituto de Gestão Previdenciária. Em seguida, a decisão liminar do Primeiro Grau também foi mantida pela 2ª Câmara de Direito Público do TJPE, ao negar provimento a agravo de instrumento nº 0005394-08.2020.8.17.9000, interposto pela IGEPREV.

Contudo, a devolução dos valores cobrados indevidamente terá que ser feito em outro meio legal, como a proposição de uma ação de cobrança ou em pedido administrativo, não podendo ser atendido em mandado de segurança segundo sumulas do STF. “Por fim, quanto ao pedido de devolução imediata e com a incidência da correção monetária de todas as contribuições previdenciárias no percentual de 14%(quatorze por cento) indevidamente descontadas dos aposentados e pensionistas nos proventos de abril/2020, entendo não ser possível acolhê-lo, porquanto contraria o art.14, §4º, da Lei nº 12.016/2009, dispositivo que reflete os entendimentos sumulados pelo STF, a saber, a Súmula 269: ‘O mandado de segurança não é substitutivo de ação de cobrança’; e a Súmula 271: ‘Concessão de mandado de segurança não produz efeitos patrimoniais em relação a período pretérito, os quais devem ser reclamados administrativamente ou pela via judicial própria’”, explica o juiz Alexandrino de Macêdo.

Deficit Atuarial no Fundo de Previdência

Na sentença, o magistrado também analisou que não há critérios objetivos definidos pelo IGEPREV para equacionar o deficit e ainda descreveu o teor das ações de improbidade administrativa que tramitam na Vara da Fazenda Pública de Petrolina, em que se apura falta de repasses, fraudes e má gestão dos recursos. É o caso da ação de improbidade administrativa nº 0008205-53.2015.8.17.1130, em que o Ministério Público noticia a ausência de repasse de contribuições previdenciárias de servidores municipais lotados na Secretaria Municipal de Saúde, no ano de 2012, circunstância que levou ao parcelamento de débitos do Município de Petrolina com o IGEPREV e que já teria ocorrido em anos anteriores de acordo com decisão do Tribunal de Contas de Pernambuco (TCE-PE). Há ainda a ação de improbidade administrativa nº 0001085-31.2019.8.17.3130, na qual se apura prejuízo causado por suposta prática de fraudes na aplicação dos recursos geridos pelo IGEPREV.

“Em outras palavras, há indícios de que o deficit do sistema previdenciário municipal também decorre de malversação do patrimônio público, sendo no mínimo desarrazoado imputar aos aposentados e pensionistas a responsabilidade de amenizar a delicada situação financeira do sistema, justamente porque são aqueles que já efetuaram suas respectivas constituições quando estiveram em atividade. Nesse sentido, observo que além da cobrança desproporcional em face de aposentados e pensionistas – cuja contribuição para o sistema deveria ser meramente complementar – as atuais ausência de quaisquer limites objetivos acerca do chamado ‘deficit atuarial’ e ausência de previsão de mecanismos de equacionamento de tal deficit constituem óbices objetivos à instituição de contribuição ordinária dos aposentados e pensionistas sobre o valor das aposentadorias e pensões que superem o salário-mínimo. Não se pode admitir, portanto, a sujeição destes contribuintes a importante decréscimo remuneratório em face de qualquer desfalque do sistema previdenciário, por mínimo que seja ou por circunstancial que seja ou aferido sem atentar a qualquer parâmetro objetivo, situação que ofende a própria ideia de Estado de Direito, cuja premissa maior reside na limitação do poder de sujeição do Estado em face do cidadão”, analisou o juiz.

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